11 de fevereiro de 2011

Ariadne


     No auto de um prédio podia ser vista a sombra de uma garota. Os cabelos negros esvoaçando-se ao vento de inverno, mais frio que normalmente era. O pânico estava estampado nos olhos de quem via a cena. Gritos por toda a parte enquanto a menina pendia para frente em um mergulho mortal.
     Lá em baixo outra garota se destacava no meio da multidão. Os olhos excitados, muito embora o seu rosto não mostrasse expressão alguma ao meio do caos.
     Enquanto a garota suicida caia do prédio de braços abertos, a outra pendia a cabeça para o lado, os olhos curiosos e os cantos dos lábios se repuxaram em um meio sorriso maldoso.
     Os bombeiros não puderam nada fazer. Tudo foi tão rápido que não deu tempo de impedir o impacto estrondoso que foi quando o corpo frágil da menina se chocou contra o chão de concreto. O alvoroço foi tremendo. Gritos de horror. O corpo estendido no chão com sangue por toda a parte.
     A Curiosa se aproximou do corpo de ossos saltados para fora. Dava para ver o rosto ensangüentado dela. A menina de belas madeixas negras era muito bonita em vida. Mas agora seu rosto estava quebrado e muito feio.
     Os bombeiros isolaram a área e afastaram as pessoas de perto do corpo. A menina maldosa se afastava, mas seus olhos ainda estavam detidos no rosto ensangüentado. Ela finalmente olhou para o bombeiro mais próximo e pôs no rosto falsa preocupação:
     ― Moço! Aquela é a minha irmã! ― exclamou em um falso tom de pânico.
     ― Qual o seu nome? ― Perguntou ele.
     ― Kely... ― Respondeu chorosa. Era uma boa atriz; precisava ser.
     ― Meus pêsames Kely. Pode me acompanhar?
     Fez que sim com a cabeça. Seguiu o homem e entrou no prédio ao qual sua irmã havia se atirado. Sentaram-se em um sofá da recepção e o Bombeiro, cujos olhos pareciam dois jades, perguntou:
     ― Sei que está em um momento muito difícil, mas preciso que me diga qual era o nome de sua irmã? E a idade dela?
     ― Nívia. 18 anos. ― ele anotou em uma prancheta, prontamente.
     ― Onde estão seus pais?
     ― Trabalhando... ― forçou mais lágrimas a saírem de seus olhos ― Mas eles já devem estar sabendo agora... Noticia ruim corre rápido... ― soltou um soluço forçado.
     ― Meus pesames ― voltou a lamentar, de coração partido ao ver a menor tão triste ― Pode me dar o telefone deles? ― voltou ao seu dever.
     Disse o numero sem êxito. Ele saiu do prédio com o celular em uma das mãos e a prancheta na outra. Ela suspirou de alívio. Estava dentro. Primeira parte cumprida.
     Ela limpou suas falsas lágrimas, não havia mais ninguém ali para enganar, os seguranças barravam a entrada dos repórteres.
     Ela levantou e foi ao banheiro do térreo. Se olhando no espelho viu o quanto tinha borrado a maquiagem. Limpou-se e pegou o delineador da bolsa, passando-o sem muita demora. Mais uma olhada no espelho antes de ir. Os olhos verdes em contraste com sua pele branca. Os cabelos castanhos caídos em cachos pelos ombros. Um sorriso esboçado em sua face satisfeita. Gostou do nome que usou desta vez: Kely... Esse ela nunca tinha usado.
     Ela foi de elevador até o último andar e depois subiu as escadas até a laje. E na beira estava ela: A alma de Nívia que ficaria vagando se não fossem pessoas como Ariadne, ou melhor: Pessoas como “Kely”.
     Nívia olhou para trás assustada. Estava confusa. Todos ficam confusos.
     ― É, minha amiga, você morreu.
     Ela arregalou os olhos e voltou-os para o seu próprio corpo estendido no asfalto logo abaixo.
     ― Mas a minha alma não deveria estar lá em baixo? Eu não me lembro de ter batido no chão... Só me lembro que estava caindo... ― Que pergunta estranha. As pessoas geralmente entravam em pânico quando lhes contava. Ariadne ficou decepcionada, a parte mais divertida do seu trabalho era ver as suas expressões horrorizadas.
     Esses suicidas! Todos loucos em minha opinião! ― Pensou.
     ― É assim mesmo. Poupamos o seu sofrimento. Sua alma voltou para cá assim que seu corpo estava prestes a bater no chão. ― Odiava ter que ficar explicando essas coisas doidas pra todo mundo.
     ― E... Como você pode me ver? Alguém mais pode?
     ― Somente pessoas como eu podem... ― disse Ariadne, já irritada, querendo terminar logo com isso. ― Agora chega de explicações... Você terá muito tempo para isso no outro plano, Nívia.
     Ela sorriu e assentiu.
     Realmente loucos ― pensou.
     A verdade é que nem Ariadne sabia o quê havia no segundo plano, ou mesmo se havia um. Apenas dizia aquilo para que parassem de lhe encher de perguntas.
     ― Feche seus olhos e pense em algo feliz. ― disse irônicamente. O fato é que a alma nem precisava fazer nada, mas Ariadne sempre foi uma pessoa zombeteira.
     Nívia obedeceu, Ariadne se aproximou e tocou sua aura. Pouco depois seu espírito havia sumido. Trabalho cumprido.

@ErikaFerronatto

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